quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Da nossa ida...





Na bagagem de agora um adeus entre-dentes, uma calor-frio a derreter o que de bom ainda persistia. E a ida não anunciada!
Uma vida curtida/ferida, no limiar dos ossos, como prenúncio de um ano que verdadeiramente não terminara, e que solicitava sardônico uma fortaleza que a senhora de olhos injetados – nunca se sabe se de álcool, dor, ou aditivos diversos – não teve, nem teria, nem queria...então fingia para os amigos que cada dia era o último, fingindo para si que vivia...
E tudo passou a ser bruma que não se dissipa, apagando de leve as ilusões. Por fim, fechou a porta do quarto da menina que ela fora atrás de si, sem estrondo para não acordar os que a amavam...Devagar desapareceram os projetos, os livros a ler, a vontade. Inaudível o som de sua própria voz. O olhar antes ávido não enxergava mais os caminhos. Então, letárgica, fechou as asas, as janelas, o tempo. Apagou-se tudo...

Anne Damásio

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A mulher que me traduz...Van Luchiari



CORRENTES
Ela se sente acorrentada. E sabe que está perdendo a esperança. Ela sente que está à beira de um precipício. As asas partidas. Ela sabe. Ela não quer sentir dor, nem medo, nem fraqueza. Ela queria ser forte. Ela queria ser melhor. E queria ter coragem, porque sua vida não tem sido fácil. Ela olha a escuridão à sua frente. Sabe que se der um passo, um mísero passo sequer, tudo desmorona sobre ela. Então simplesmente não se mexe. Fica extática, em estado de quase-dormência. Uma quase-catatonia. E o tempo corrói os dias, um a um... E as horas seguem seu cronograma cármico.
BEDÉU

Ela respira com dificuldade o ar denso que a cerca. A tristeza convive com ela... Diariamente. A tristeza das coisas, dos livros, dos outros. A tristeza das horas, a dele e a sua própria... Que suga pouco a pouco a alegria do ar. E a prende com garras afiadas. E ela se pergunta se não é ela a causadora dessa doença que nunca se cura, dessa ferida que não cicatriza. E ela se culpa. Acha que não dá o suficiente nem a si mesma, nem a ele, nem à vida... embora o que ela dê pareça estar além de suas forças. É mais do que ela pode suportar.No fundo, ela está cansada de cuidar... Ela não queria ser triste. Ela não queria ser falta! Ela queria de volta quem ela foi um dia. E os sorrisos que ela deu e que se dissiparam nas linhas do tempo. E as coisas que ela sentia quando ele a olhava e tocava. A sua juventude, a sua ânsia, a sua sede de viver tudo. Hoje ela é alguém pior. Hoje há esse vazio, esse medo, esse buraco, essa fraqueza, essa desistência que se impõe e que a engole. E ela não sabe como foi que deixou isso acontecer. Ela não queria. E torce pra que o dia acabe sem nenhum arranhão. Sem que ela precise mais uma vez, entregar o que ela nem tem mais e que nem mais é seu.

POLIANA É MORTA?

O jogo-do-contente que ela praticava já não tem tanta graça. Resta apenas um fio tênue segurando a alegria ao corpo dela. Frágil, ela caminha devagar pra não partir esse último fio. Qualquer vento pode ser fatal. Qualquer lágrima. Qualquer outro não. E ela se agarra a esse único cordão invisível porque a sua vida precisa dele. E luta consigo mesma pra ver gosto e ânimo nas coisas. Logo ela que sempre andou do lado brilhante da vida, vê-se frente a frente com o abismo. Ela não quer pular. Recusa-se. É teimosa.

TEMPO-REI (ou TE EMPURREI?)

A vida segue o seu tic-tac e ela sente cada segundo como se fosse uma farpa inflamada no corpo. O olhar opaco. As mãos secas. Os pés calejados de tanto tropeçar nas pedras no caminho. E ele. Sempre ele. Presença constante assombrando seu sono. Tirando-lhe os sorrisos. Cobrando suas taxas. Ele não faz por mal. Não é culpa dele, ela bem sabe (acha mesmo que esse estandarte é dela). Mesmo assim. O esforço é como parede. Duro, limitante. Logo ela... Logo ela... Ela quer a si mesma de volta. Ela quer libertar-se dessas correntes pesadas, mas não vê como. E então ela chora...... "Se ao menos conseguisse dormir....."

EPIFANIA

A saída.... A saída.... A luz.... A luz..... O bálsamo. Do precipício ela ouve um eco: "- As asas! Abra as aaaaasas!"E o tempo paralisa.
Van Luchiari