segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tentativas vãs de prender o que voa...



Compus cápsulas imaginárias para te reter, mesmo ciente da tua “natureza” efêmera e escorregadia...Forjei meu corpo em delírios de permanência, sulcando cada pedaço que você inadvertidamente tocara para nunca esquecer das emoções causadas, e fui retendo as palavras ditas, compondo uma vida in-vivida, atenta aos momentos em que você se fazia real – porque palpável .

Fiz-te minha para além da tua “essência” efêmera que me angustia, guardando esses pequenos nadas como se fossem tudo que você poderia me dar. Ciente dos teus descaminhos fiz-me estrada, inteira, sem percalços...

E no entanto, ontem passei a acalentar a aflição de ter te perdido sem nunca ter te tido. Sensação clara que entorpeceu minha noite resultando num hoje anestesiado pelo teu abandono. E finalmente contive o desejo de futuro que imaginei ao seu lado. Então adormeci e ao acordar já era hoje e tu não existias mais aqui/em mim...

Anne Damásio

A mulher que me traduz...


Faça-me o favor de desistir de mim!
Mas desista depressa que eu não sou de brincadeiras de gostar. E cansei-me dessa superficialidade que tu achas que eu sou. Porque não sou. Sou muito além, muito mais.
Faça-me o favor de construir teus muros bem altos que é pro meu aríete não conseguir derrubá-los. Fique aí na tua fortaleza e
não me deixe entrar. Deixa-me de fora do teu mundo. Faça-me esse favor. Mude seu rumo, mire outros alvos, que o meu coração é alvo difícil. E atingi-lo é um risco desnecessário.
Tire as tuas mãos macias da minha pele imaginária. Não me toque mais com tuas poesias genéricas e indecifráveis.
Continue na superfície das coisas. Continue com tuas palavras fugidias. Continue assim, longe e mistério. Fuga e descaso.
Perca o interesse por tudo o que é meu.
Poema, corpo e música. Palavra, tempestade e silêncio. Boca, presença e voz. Porque no fundo eu sei: nada disso é relevante pra ti e pra você eu sou... ninguém.
Faça-me o favor de deixar minhas ilusões quietas, de deixar minhas fantasias em paz.
Não sou de jogos. Não tenho estrutura pra isso. Sou do agora, sou do ousado e do aflito.
Não brinque com o meu fogo porque ele queima muito mais a mim do que a ti, que nunca se aproxima demasiado. Então não me queime.
Peço-te.
Faça-me o favor de não testar a minha paciência. Sou das verdades. Preciso de profundidade, preciso de entrega, preciso de dedicação e clareza. Não de mentiras, punhais e arranhões! Desses já tenho a coleção completa.
Pois faça-me o favor de trancar as tuas janelas e portas, de colocar mais obstáculos no caminho, de danificar o pedestal, de quebrar os espelhos e fechar as cortinas desse palco em que atuas. Eu prefiro os bastidores, o camarim onde mora a verdadeira intenção, onde a carne é nua e exposta, onde eu existo e sou única e onde posso conhecer as coisas em sua cruel realidade. E posso ser quem sou. Essa lágrima insistente borrando a maquiagem. Porque ama. Porque dói. Porque é ferível e se corta com facilidade porque vive sempre à flor da pele.
Faça-me o favor de não se aproximar das minhas tempestades se não estiver preparado para molhar-se inteiro. Faça-me o favor de esquecer a fúria da minha paixão.
Faça-me o favor de continuar espaçado e esporádico, assim fica mais fácil abandonar-te do meu corpo e da minha mente. Apareça sempre como quem já vai embora. Como de praxe. Faça-me o favor de sempre sumir por algum tempo, porque assim fica fácil te esquecer. Ou suma de uma vez e me liberte. Faça-me o favor de soar as badaladas libertadoras da meia-noite. Aquelas que vão fazer cada coisa voltar pro seu devido lugar. Aquelas que vão despertar meus ouvidos e meus olhos para o real. Sair do imaginário, desacatar a ilusão que eu criei.
Faça-me o favor! Esqueça de me transformar em musa. Eu não sou. Não de verdade... E você não precisa de mais uma musa. Já as têm de sobra! Pra quê mais uma? Não sou peça de coleção.
Faça-me o favor de desistir de mim! Faça-me o favor de não subestimar minha inteligência, de não me considerar igual a todas as outras a quem teu afeto afeta. Porque sou dos inteiros. Metades não me satisfazem. Faça-me o favor de saber disso!
Faça-me o favor de pegar o caminho ao lado, aquele que passa afastado do meu amor, do meu coração. Meu coração merece exclusividade e transparência. E mesmo eu o querendo tanto tanto ao meu lado, comigo, mesmo assim latejando esse desejo insano, preciso ser tua única estrada. Ou pegar um atalho e me desviar de uma vez de ti. Fazer outro caminho.
Faça-me o favor de retirar tua imagem do meu pensamento.
Não quero ser dominada por uma idéia irreal do que tu és.
Eu nem sei quem tu és.
Eu não sei aprender-te. Não sei apreender-te. Não conheço a cor dos teus olhos, porque nunca te vi ou ouvi e o que você me dá é pouco. Migalhas que eu gostaria de dispensar de vez, não fosse tão fome a minha fome e tão sede a minha sede!
Faço-me de cega, invento palavras e sentimentos, enfatizo meu masoquismo e
corro em direção ao nada. Um abismo escuro sem ecos, sem fim. Uma armadilha repetida. E eu não quero mais!
Faça-me um favor... Afete outras. Eu não gosto de afetos rasos.
Faça-me o favor de continuar inatingível. Assim impossível e ilusório. Um devaneio inconsequente que um dia esquecerá de me torturar. Esquecerá de mim no tempo breve se um suspiro.

Esqueça-me.
Não me veja. Feche os olhos.
"Que o teu afeto me afetou é fato, agora faça-me o favor....." *
Faça-me o favor de desistir de mim!


Por Van Luchiari ©

sexta-feira, 16 de abril de 2010


Perdoa o caos instaurado, é que me encontro labiríntica entre sentir sabendo q vou sofrer e permanecer fincando raízes...

Te vejo perdendo-se de mim nessas pequenas fugas cotidianas, como se ao limpar os móveis você conseguisse retirar o pó das nossas emoções embotadas por esses anos de convivência, e temo não ter o conforto da certeza ofertada nos pequenos gestos – esses que sobram quando a paixão esmaece. Procuro alucinada, compreender esse desequilíbrio que se instaurou entre nós, esse desencontro onde antes havia plenitude. Dessa angústia de não entender, me deparo com a incongruência entre meu desejo de costurar asas para mergulhar nesse abismo que se afigura e a velha mania de fincar mais fundo as raízes por causa desse medo insano de voar.

Então instável, despedaçada, angustiada, corroída por ciúmes que se antecipam em função dos meus delírios imaginários – fruto da minha impossibilidade de me curar da minha infância, do medo do escuro que me obsediava – me pergunto compulsiva, porque ela voltou? Para onde você vai? Quem me curará dos excessos que me cercam, quem me curará de mim, senão você que sabe das minhas vontades mesmo antes de mim, que segura minha cabeça quando enjoada de viver vomito toda a minha dor, que decorou meus gostos, minhas idiossincrasias para me agradar, ofertando um conforto que assegura o que resta do meu juízo. Mas como sermos uma quando a cisão foi se construindo em todos esses dias sufocados em tédio, e a fusão que alcançávamos em noites orgiásticas perdeu-se na noite escura, restando apenas a mecanicidade dos gestos que excitam sentidos, não satisfazendo mais porque fundados numa pressa que burocratiza até o ato mais carnal...

Anne Damásio