domingo, 25 de julho de 2010

Por trás do meramente observável...


Eu sei de mim, do que me dói – vileza me dói, falta de respeito me dói, fazer de conta que não vejo o que é óbvio me dói mais ainda – talvez por isso não consigo evitar meus métodos loucos de me anestesiar por dentro. Tá faltando as cápsulas do esquecimento. Então arrisco uma dose de Caio F., e caio no choro. O que eu sou, o tanto que vejo das pessoas não tem mais cura!

Anne Damásio

terça-feira, 20 de julho de 2010

Mirar, desviar...


Então compreendi que descendia de um clã de sujeitos que viam demais, sentiam mais ainda, e, como purgação para o que aqueles que lideravam o clã acreditavam ser dádiva, foi-nos dado a capacidade intrínseca de a cada lampejo de visualização, ter a pele marcada com fragmentos de pequenos cortes, mais ou menos do tamanho da circunferência dos olhos, obviamente invisíveis para os demais. Descobrimos mais tarde, ao longo dos rituais que marcavam os meses de fartura do clã, que nascer naquela condição era inevitável ou porque não dizer inalterável, como essas coisas que com o tempo vão se adensando...

Muitas vezes, quando decepcionada com descobertas que não poderia fazer, no sentido de manter à ordem do universo – como acreditar nas pessoas, conviver com humanos invejosos, não reagir a insultos viscerais – pedi aos céus para não ver tanto. Não adiantava, a visão por vezes embotada não redimia meus sentimentos diante do visível, evitando assim o vivível...o que de certa forma era prudente, coisas dessa alma que ingênua, ainda queria acreditar. Com o tempo, de tanto maldizer essa condição fui perdendo a visão, e hoje preciso de tempo para enxergar/intuir a possível dor que se anuncia...Por isso tenho pedido a Nanã que proteja aqueles que vêem para além do meramente observável, que não vivem na superfície das coisas, que dão a alma quando acreditam ser possível continuar vivendo apesar da vileza humana...

Anne Damásio

Fotografia: Francesca Woodman

domingo, 18 de julho de 2010

escorregadia...


Sabe daquele tempo em que teimosamente queríamos viver situações ideacionais, como se tudo que se configurava não fosse suficiente para expressar esse encontro de almas? Ele passou...e você se foi escorregando de mim, nessa brincadeira de fazer beicinho e tomar chá de sumiço – sempre deixando esse rastro de inviolabilidade, de desejo incontido porque não saciado.

E então, depois de tanta convivência/conivência, você resolve passear por aqui, brincando de quando em vez de permanecer...me assusto com esse novo jeito de corpo, com esses encontros fundados no desejo que habita aqui dentro, aquele de antes lembra? E quando você se vai, a gente fica com fome dele de novo. E te vejo entrando no espaço que nos gestou lentamente, “causando moça?” meio que deslizando nesse arco-íris que lhe serve de tapete...um menino linda!!!! Mas naquele espaço de corpos castrados tenho que conter o desejo, e ele permanece dormindo aqui dentro, porque aqui dentro eu sei que ele não vai embora nunca. Não machuca, só cintila...é brilho, como diria você, purpurinado...como diria eu lacinante, escorregadio, luz que fica!!!Então brinca mais vezes de me deixar te olhar, brinca de ficar de vez em quando, prometo te fazer sopinhas e escorregar naquela curvinha onde deposito gotas de limão...Prometo te amar desse jeito torto...

Anne Damásio