quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Passagem das horas


Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
...
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei... Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos... Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me, Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge, Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso, Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas, Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada, Deste desassossego no fundo de todos os cálices, Desta angústia no fundo de todos os prazeres, Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas, Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim. Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência, Consangüinidade com o mistério das coisas, choque Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz. Seja o que for, era melhor não ter nascido, Porque, de tão interessante que é a todos os momentos, A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas, E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos, Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs, E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso, Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida. Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços, É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas... Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro, Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca... Que há de ser de mim? Que há de ser de mim? Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão, Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra. Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos. Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir... Tão decadente, tão decadente, tão decadente... Só estou bem quando ouço música, e nem então. Jardins do século dezoito antes de 89, Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira? Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo, A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai. Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se. Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver. Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente. Estou no caminho de todos e esbarram comigo. Minha quinta na província, Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti. Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir, E fica sempre, fica sempre, fica sempre, Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica... Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito. Só humanitariamente é que se pode viver. Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos, Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver. Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim! Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo, Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri. Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos, E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse. Amei e odiei como toda gente, Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo, E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo. Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti. Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito, Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo. Mãe suave e antiga das emoções sem gesto, Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo, Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos, A direção constantemente abandonada do nosso destino, A nossa incerteza pagã sem alegria, A nossa fraqueza cristã sem fé, O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases, A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos, A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida... Não sei sentir, não sei ser humano, conviver De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra. Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido, Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens, Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta, Uma razão para descansar, uma necessidade de me distrair, Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim. Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem... . . . Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo, Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia, Seja uma flor ou uma idéia abstrata, Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo. São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores, E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também, Porque ser inferior é diferente de ser superior, E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter, E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades, E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles, E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens. Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia, Basta que ela exista para que tenha razão de ser. Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido, (No mesmo abraço comovido) O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece, O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria, E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças, O ladrão de estradas, o salteador dos mares, O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas — Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida. . . . Multipliquei-me, para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo, Transbordei, não fiz senão extravasar-me, Despi-me, entreguei-rne, E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente. . . . Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo, Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento, Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus! Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro, E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ... Meu coração tribunal, meu coração mercado, Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco, Meu coração rendez-vous de toda a humanidade, Meu coração banco de jardim público, hospedaria, Estalagem, calabouço número qualquer cousa Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló, Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial, Meu coração postigo, Meu coração encomenda, Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega, Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice, Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração. . . . Obter tudo por suficiência divina — As vésperas, os consentimentos, os avisos, As cousas belas da vida — O talento, a virtude, a impunidade, A tendência para acompanhar os outros a casa, A situação de passageiro, A conveniência em embarcar já para ter lugar, E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase, E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa. Poder rir, rir, rir despejadamente, Rir como um copo entornado, Absolutamente doido só por sentir, Absolutamente roto por me roçar contra as coisas, Ferido na boca por morder coisas, Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas, E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida. Sentir tudo de todas as maneiras, Ter todas as opiniões, Ser sincero contradizendo-se a cada minuto, Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito, E amar as coisas como Deus. Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário, Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia Que a dor real das crianças em quem batem (Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem — E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?) Eu, enfim, que sou um diálogo continuo, Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre, Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque E faz pena saber que há vida que viver amanhã. Eu, enfim, literalmente eu, E eu metaforicamente também, Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso As leis irrepreensíveis da Vida, Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada, O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim, Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo... Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma, Sem personalidade com valor declarado, Eu, o investigador solene das coisas fúteis, Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso, E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria Porque não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora, Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço, Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico, Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos, Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea, Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos. Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina Coada através das árvores do jardim público, Eu, o que os espera a todos em casa, Eu, o que eles encontram na rua, Eu, o que eles não sabem de si próprios, Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso, Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma, O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre, O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros, A cicatriz do sargento mal encarado, O sebo na gola do explicador doente que volta para casa, A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre, E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)... Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas, Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre, Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta, O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo, O sacana do José que prometeu vir e não veio E a gente tinha uma partida para lhe fazer... Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo... Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem, E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas... Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões, A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos, Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto, E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha, E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim, Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural, Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me, Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida... Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas, O baú das iniciais gastas, A entonação das vozes que nunca ouviremos mais - Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo. A Brígida prima da minha tia, O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas, E a vida era guerra civil a todas as esquinas... Vive le mélodrame oú Margot a pleuré! Caem as folhas secas no chão irregularmente, Mas o fato é que sempre é outono no outono, E o inverno vem depois fatalmente, há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos, Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais, E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo. Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas, E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra. Não me subordino senão por atavisnio, E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama. Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades Acessíveis à imaginação Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer, Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira, Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi. No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa, Vou ao lado dela sem ela saber. No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado, Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá. Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me, Não há modo de eu não estar em toda a parte. O meu privilégio é tudo. Assisto a tudo e definitivamente. Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim, Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira, Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso, Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta Que não seja para mim por uma galantaria deposta. Fui educado pela Imaginação, Viajei pela mão dela sempre, Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso, E todos os dias têm essa janela por diante, E todas as horas parecem minhas dessa maneira. . . . Todas as madrugadas são a madrugada e a vida. Todas as auroras raiam no mesmo lugar: Infinito... Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta, Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore, E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho... Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra, Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna, Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente Rola ... Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra, E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim, Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio, Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo, Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato, Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas, A Meta invisível — todos os pontos onde eu não estou — e ao mesmo tempo ... Ah, não estar parado nem a andar, Não estar deitado nem de pé, Nem acordado nem a dormir, Nem aqui nem noutro ponto qualquer, Resolver a equação desta inquietação prolixa, Saber onde estar para poder estar em toda a parte, Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ... Toda a madrugada é uma colina que oscila, ................................................................... ... e caminha tudo Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens — Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada, Do rodopio parado da minha retentiva seca, Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver. Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua, Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua Passeio lojistas "perdão" rua Rua a passear por mim a passear pela rua por mim Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras, O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua O meu passado rua estremece camio rua não me recordo rua Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno, Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua. Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo. Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá. Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio! Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele! Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te Por todos os precipícios abaixo E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração! À moi, todos os objetos projéteis! À moi, todos os objetos direções! À moi, todos os objetos invisíveis de velozes! Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me! Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso! A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim! Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias, Velocidade entra por todas as idéias dentro, Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os, Chamusca todos os ideais humanitários e úteis, Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes, Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas, Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares, Senhor supremo da hora européia, metálico a cio. Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus! ............................................................... ............................................................... ............................................................... ............................................................... Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói, Declina dentro de mim o sol no alto do céu. Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos. Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar? Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata, Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo, Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés, Calcar, calcar, calcar até não sentir. Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis, Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou. . . . Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...
Álvaro de Campos, 22-5-1916

ME TRADUZIRAM


''Eu preciso aprender a ser menos. Menos dramática. Menos intensa. Menos exagerada. Alguém já desejou isso na vida: ser menos? Pois é. Estranho. Mas eu preciso. Nesse minuto, nesse segundo, por favor, me bloqueie o coração, me cale o pensamento, me dê uma droga forte para tranqüilizar a alma. Porque eu preciso. E preciso muito. Eu preciso diminuir o ritmo, abaixar o volume, andar na velocidade permitida, não atropelar quem chega, não tropeçar em mim mesma. Eu preciso respirar. Me aperte o pause, me deixe em stand by, eu não dou conta do meu coração que quer muito. Eu preciso desatar o nó. Eu preciso sentir menos, sonhar menos, amar menos, sofrer menos ainda. Aonde está a placa de PARE bem no meio da minha frase?
Confesso: eu não consigo.
Nada em mim pára, nada em mim é morno, nada é pouco, não existe sinal vermelho no meu caminho que se abre e me chama. E eu vou... Com o coração na mochila, o lápis borrado, o sorriso e a dúvida, a coragem e o medo, mas vou... Não digo: "estou indo", não digo: "daqui a pouco", nada tem hora a não ser agora. Existe aí algum remedinho para não-sentir? Existe alguma terapia, acupuntura, pedras, cores e aromas para me calar a alma e deixar mudo o pensamento? Quer saber? Existe.
Existe e eu preciso. Preciso e não quero.''

Fernanda Melo
Fotografia devinart

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

APAGAR-ME, DILUIR-ME, IR-ME...

Estou cansada. Demasiadamente cansada, de tanta sordidez, tantas palavras vãs. Estou cansada desse tempo que rascante suga minhas forças, aquelas que mobilizei para criar alguém que pensei possuir, mesmo ciente da impossibilidade de reter humanos. Cansada desse tempo que me sangra diariamente. De tomar remédios para dormir, e outros tantos para acordar. E nesses dias brumosos em que me vejo, perdendo-me do que me faz viver, entendo que a noite oculta meus sonhos mais óbvios, entorpecendo-os, porque luz demais sempre me feriu os olhos, esses que injetados de sangue e lágrimas me mostram a pior face do humano. Estou cansada da areia movediça sob meus pés, de não ter enxergado tanta mentira adocicada, tanta sordidez homeopaticamente despejada em gestos medidos, escusos. De não identificar maldades óbvias, terrenos traicoeiros. Cansada do medo de te perder que me assola, talvez por ser tão longe, por ser tão eu. Tenho flertado cotidianamente, nesse tempos de vislumbre da perda, com abismos indevassáveis, e essa melancolia lá fora. E esse topor aqui dentro. Cansei das mentiras que me contam. Das loucuras que me despejam. De sempre dizer sim e ouvir não. De sobrar assim tanto amor em mim...Cansei. De não ter algumas coisas e de ter outras transbordando em excessos, de ir assim vivendo excessivamente, convulsa e insana. Estou cansada de ser eu. Assim tão nada, tão dentro...Tantas vezes lutando contra mim e a favor de uma maldita paz idealizada. De existir nesse tempo, onde o respeito se evapora.
Então arranquem-me de mim.
Anne Damásio

domingo, 20 de dezembro de 2009

LOLITA


Algumas culpas, e um arrependimento imenso em acreditar no humano, mesmo sabendo que não se pode dar jeito...


Depois de todas as informações reconstruirem os fatos, depois da certeza densa, desse ódio atravessado na garganta. Depois da perda irremediável da alegria de poder acreditar, fica apenas a certeza cega, de que não foi apenas você que morreu, eu também e todo aquele tempo bom onde amizade não era sinônimo de decepção.
Daqueles dias para cá passei a me perguntar, porque que tudo é tão sujo? Porque não entendo como o desejo de ser desejado pode ir além do respeito, esse que se gesta lentamente?
Depois de tanta dor contida, de tanta decepção, você saberá perfeitamente que eu nunca mais poderei voltar – não com esse ranço de desconfiança atarracando nosso caminho – tanta história para viver deixada de lado pela possibilidade de saciar a libido num corpo tão inoculadamente jovem...

Anne Damásio

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nunca pude ficar...


Mas havia um quê de refratário naqueles atos, não sabia se no nomadismo que caracterizava seus dias – “Nunca pude ficar”, diria uma vez para alguém que havia se referido a sua constante impermanência, rindo depois do paradoxo que era constante/impermanente...
Lembrava-se de situações tensas e episódicas, como delito oculto que marcara sua vida, desde aquela noite no parque, podia até afirmar; vivia em paz quando a desordem se fez presente, como spot que acende sem esperar, fantasma batido por sombras, desejos irrealizados, quem saberia se irrealizáveis.
Anne Damásio
Fotografia: Darren Holmes

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Diria adeus...2


Lud
...Em frente aquela máquina – distâncias encurtadas por um mundo virtual que me anulava constantemente – recebia sua partida, sem sequer haver chegado, como um súbito e paradoxalmente aguardado soco na boca do estômago. Olhava para o que me restava de você, traços momentaneamente retidos, no lugar de passagem em que o aeroporto havia se constituído. Me doía inumana e agressivamente te imaginar com ela...Aisla! Me odiava por não saber lidar com sua falta – dessa feita legitimada, pelo maldito termo (namorando?) que desprendendo-se, brincava em frente aos meus olhos marejados. Gosto de sal na boca!Olhava para as paredes brancas a minha frente, como se a procura de Deus, ou qualquer coisa que curasse essa ausência de ti em mim. Não o via, nem fadas, ou silfos, apesar dos milhões de incensos acesos, sequer salamamandras brincando perigosas nas chamas que projetavam formas, quem saberá se as suas? Daquele dia em diante, nunca mais as vi, nada restou além desse vórtice em que me enredava, além desse gosto seco na boca e da vertigem em me saber definitivamente ausente da vida que quis minha.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair. Por muito tempo, a minha alma assentou-se faminta à sua mesa. Não sou como eles, treinados a buscar o conhecimento como especialistas em rachar fios de cabelo ao meio. Amo a liberdade. Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meios às vacas, que em meio às suas etiquetas e respeitabilidades."Nietzsche

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

voragem, vertigem, vértice...dor...


"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos...O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas."

Fernando Pessoa

Fotografia: Jessica Tremp

domingo, 11 de outubro de 2009

Agora ela pode ir...


Há um poema assim: "Por que a rosa murchou e caiu / E estes olhos não viram?"Isso me assombra. Mas é um estado de espírito que conheço tão bem. Aquele pesar por aquilo que não se viu e não se sentiu, pelo que passou sem ter sido percebido. A vida nos é dada apenas uma vez, e nós a desperdiçamos. Você sente isso?



K. Mansfield

Fotografia: Daniel Pinheiro



"Aflição de ser eu e não ser outra. Aflição de não ser, amor, aquela Que muitas filhas te deu, casou donzela E à noite se prepara e se adivinha Objeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilha Que te retém e não te desespera. (A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel. E a um só tempo múltipla e imóvel. Não saber se se ausenta ou se te espera. Aflição de te amar, se te comove. E sendo água, amor, querer ser terra"
Hilda Hilst


Fotografia: Jessica Tremp

sábado, 10 de outubro de 2009

Da vontade de partir...




"'...ah, essa mulher, essa menina - precisava sair daqui. Deste planeta que, tão freqüentemente, parece não comportar a sensibilidade."

Caio Fernando Abreu






Fotografia: Jessica tremp

Ainda as traduções...


"Queria tanto poder usar a palavra voragem. Poder não, não quero poder nenhum, queria saber. Saber não, não quero saber nada, queria conseguir. Conseguir também não - sem esforço, é como eu queria. Queria sentir, tão dentro, tão fundo que quando ela, a palavra, viesse à tona, desviaria da razão e evitaria o intelecto para corromper o ar com seu som perverso. A-racional, abismal. Não me basta escrevê-la - que estou escrevendo agora e sou capaz de encher pilhas de papel repetindo voragem voragem voragerm voragem voragem voragem voragem sete vezes ao infinito até perder o sentido e nada mais significar - não é dessa forma que eu desejo... Eu quero sê-la, voragem." CFA

Fotografia:Gaena

traduções...


"Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto:' Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é? ' É o que estou tentando vivenciar. Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis,becos-sem-saída. Nada é muito terrível. Só viver, não é?" Caio Fernando Abreu

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eu te deixo ir, me deixa ficar então...



Mas havia um quê de refratário naqueles atos, não sabia se no nomadismo que caracterizava seus dias – “Nunca pude ficar”, diria uma vez para alguém que havia se referido a sua constante impermanência, rindo depois do paradoxo que era constante/impermanente...
Lembrava-se de situações tensas e episódicas, como delito oculto que marcara sua vida, desde aquela noite no parque, podia até afirmar; vivia em paz quando a desordem se fez presente, como spot que acende sem esperar, fantasma batido por sombras, desejos irrealizados, quem saberia se irrealizáveis.
Fotografia: Biliana Rakocevic

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

"Vem de repente um anjo triste perto de mim"


"Não iriam entender que vezenquando a gente fica triste sem motivo, ou pior ainda, sem saber sequer se está mesmo triste. Mas podia aceitar, entrar no carro, vamos até à praia? Deitar a cabeça nos braços, apoiar os braços na janela aberta, vento entrando, remexendo nos cabelos, no rosto, jeito de lagrima querendo rolar..."Caio F. Abreu

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Homenagens a Caio F.


"Faço o papel sem dificuldade. A água flui, vai para frente. Isto também vai passar. Mas não compreendo. Então um lado meu pensa: é sina, é fado, é destino, é maldição. Outro lado pensa: não, é mera neurose, de alguma forma sutil devo construir elaboradamente essa rejeição. Crio a situação, e ouço um NÃO. Desta vez, eu tinha tanta certeza. E penso: os deuses me traíram, os búzios me atraiçoaram, as cartas me mentiram. E me sinto velho e cansado, e tiro toda a roupa preta guardada nos armários - e tudo não deixa de ser teatral, meio engraçado. Mas há também uma dorzinha verdadeira no fundo. (...) e tudo indo embora e fugindo e se perdendo - e o amor sem acontecer, quando estou assim todo maduro, e limpo, e pronto, e luminoso como uma maçã no galho, pronta para ser colhida. Ninguém estende a mão para a maçã, pouco antes de começar o processo de apodrecimento."
Texto e fotografia de Caio Fernando Abreu

"Qualquer dia faço uma loucura, faz nada, você está nessa marcação faz mais de dez anos. Mais de dez anos. A gente se entrega nas menores coisas" CFA



Talvez prenunciando a sua morte, pediu com aquele ar maroto adquirido ultimamente como que para comover os que com ela conviviam.
- Nada, repito nada de flores, só se vocês conseguirem daquelas flores roxas, com uma tonalidade que de tão densa se faz abissal, como essa queda ao infinito que premeditei, não para fazer doer os que amo, mas por pura incapacidade de ser eu, assim, sem residência fixa, sem emprego consistente, com uns poucos amigos que ao me procurar desAguam rios de angústia, mágoas e sonoridades tão-e-sempre-maior-que-as-dores-alheias...E desbocadamente sorriu comentando entre-dentes, mas ora vejam, não li tudo o que gostaria de ter lido, não escrevi sequer uma obra digna de ser publicada postumamente, no entanto, reafirmo (c-o-n-s-c-i-e-n-t-e-m-e-n-t-e) tenho que partir...
Mas havia sua companheira, ah, aquela mulher que de tanto lembrar dela esquecia de si, aquela que quando bem perto a fazia existir de um jeito incrível e ingenuamente completo...Havia sua filha, forte e dada a rompantes, como esses que as adolescentes trazem no peito, arroubos para uma dor soturna que fica a nos rondar, os que passam por ela incólumes, são os capazes, seguramente capazes de matar a mãe e comer o presidente...Essas duas figuras ela não queria magoar, essas duas figuras era queria poupar de todas as dores do mundo...E haviam os outros tantos, aqueles que a amavam sem julgamentos, a todos eles citaria em cartas, deixadas embaixo da caixa vermelha, mesmo que a vida toda temesse as mulheres de vermelho...Mas a pergunta que rondava sua cabeça para além das promessas era tão pueril...Como continuar quando tudo me chama para outro lugar?
Anne Damásio

terça-feira, 29 de setembro de 2009

DIRIA ADEUS?

Lud
...Em frente aquela máquina – distâncias encurtadas por um mundo virtual que me anulava constantemente – recebia sua partida, sem sequer haver chegado, como um súbito e paradoxalmente aguardado soco na boca do estômago. Olhava para o que me restava de você, traços momentaneamente retidos, no lugar de passagem em que o aeroporto havia se constituído. Me doía inumana e agressivamente te imaginar com ela...Aisla! Me odiava por não saber lidar com sua falta – dessa feita legitimada, pelo maldito termo (namorando?) que desprendendo-se, brincava em frente aos meus olhos marejados. Gosto de sal na boca!
Olhava para as paredes brancas a minha frente, como se a procura de Deus, ou qualquer coisa que curasse essa ausência de ti em mim. Não o via, nem fadas, ou silfos, apesar dos milhões de incensos acesos, sequer salamamandras brincando perigosas nas chamas que projetavam formas, quem saberá se as suas? Daquele dia em diante, nunca mais as vi, nada restou além desse vórtice em que me enredava, além desse gosto seco na boca e da vertigem em me saber definitivamente ausente da vida que quis minha.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Sabe. Descobri que o segredo era cartografar todos aqueles dias ímpares que vivemos – não, não me refiro a ímpares no que eles poderiam ter tido de espetaculares, me refiro ao mais óbvio que pode haver - como se num lapso, eu-entidade não identificável conseguisse me ver de dentro de onde estava agora...então resolvo meticulosa e deliberada descrever o que em mim se fez, dor, buraco imundo, refugo de todo o lixo que fomos nós.Continuo a dizer-te-de-ti-e-de-mim. O segredo é cartografar nossa solidão indevassável/compartilhada, como guardador de livros antigos que passei a ser quando me vi nestas paredes caiadas de branco. E fazer dessa obra que pretendo única, porque nunca fui dada às letras – elas que me assaltavam os olhos prendendo-os firme em alguma história da qual não conseguia me desprender – uma cartografia de nós, uma cartografia universal de todos os amores eternos. Mesmo que toda a estirpe dos sócio-alguma-coisa teimem em apontar as tais si-gu-la-ri-da-des(...)
Fotografia: eugeny Kozhevnikov

Do não vivido...


Havia sim um barulho, mas não era algo encerrado no cartaz que apontava a existência do espaço. Seguimos todos, unidos pela mesma indignação, para além de supostas identidades deterioradas que não nomeavam mais. E ao atravessar o pátio me deparei com olhos escuros, pintados com um preto que não disfarçavam a adesão aos extremos de viver a deriva. Uma menina, mãe, bruxa, mulher, quase Calixto na recusa do que não a completava, mas cria de Hécate, e só por isso minha...por segundos, com aquela tensão que caracteriza o que não podemos deter...

Soube de ti pelo que não podia ficar, nos passos rápidos ao largo da mulher fálica, nas risadas estrepitosas, no que desvendou das minhas supostas certezas erigidas em elocubrações legitimadas...nas explicações acerca dos arquétipos que tangenciavam minha existência, nas características que apontavas ciente de que me traduzia a cada mirada. Soube de mim na doçura com que me olhavas, na surpresa com que nos identificávamos, no desejo contido e no que de impalpável restou da noite, me assombrava a vontade de ficar ao teu lado conversando infinitamente e chocando a humanidade diante do que não podíamos conter pela leveza que caracterizava dois corpos iguais de mãos enlaçadas...Sorri quando me dissestes da cagada mágica, do feitiço adulterado, pedindo pelo que eu pediria...uma filha de hécate cercada das qualidades que mutuamente admirávamos...

Fogueira das vaidades






O que resta da minha suposta e tão cobrada alegria? Porque as alusões frequentes a necessidade de me fazer envolta em títulos e arroubos, numa visibilidade precariamente recém adquirida?


Antes de mim - essa de hoje - esses momentos hedonisticamente vividos, estancavam ao menor sinal de ebulição, como se viver só fosse permitido apenas aqueles a quem a vida, deus, ou o destino concedeu o ter muito antes do ser de fato...


Hoje a vejo soterrada, atrelada apenas a ilusão de me ser, causada por um a mais de vida, como em natasha a felicidade reside em gotas coloridas de remédios que me deêm alegria, porque os humanos ao meu lado, envoltos que estão na procura alucinada por títulos, produções e delírios egóicos, esquecem-se de si, abduzidos na procura insana pelo intangível.


De todas aqueles sonhos restou essa sensação gélida, esse inverno na alma!


Fotografia: Gaena