quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Homenagens a Caio F.


"Faço o papel sem dificuldade. A água flui, vai para frente. Isto também vai passar. Mas não compreendo. Então um lado meu pensa: é sina, é fado, é destino, é maldição. Outro lado pensa: não, é mera neurose, de alguma forma sutil devo construir elaboradamente essa rejeição. Crio a situação, e ouço um NÃO. Desta vez, eu tinha tanta certeza. E penso: os deuses me traíram, os búzios me atraiçoaram, as cartas me mentiram. E me sinto velho e cansado, e tiro toda a roupa preta guardada nos armários - e tudo não deixa de ser teatral, meio engraçado. Mas há também uma dorzinha verdadeira no fundo. (...) e tudo indo embora e fugindo e se perdendo - e o amor sem acontecer, quando estou assim todo maduro, e limpo, e pronto, e luminoso como uma maçã no galho, pronta para ser colhida. Ninguém estende a mão para a maçã, pouco antes de começar o processo de apodrecimento."
Texto e fotografia de Caio Fernando Abreu

"Qualquer dia faço uma loucura, faz nada, você está nessa marcação faz mais de dez anos. Mais de dez anos. A gente se entrega nas menores coisas" CFA



Talvez prenunciando a sua morte, pediu com aquele ar maroto adquirido ultimamente como que para comover os que com ela conviviam.
- Nada, repito nada de flores, só se vocês conseguirem daquelas flores roxas, com uma tonalidade que de tão densa se faz abissal, como essa queda ao infinito que premeditei, não para fazer doer os que amo, mas por pura incapacidade de ser eu, assim, sem residência fixa, sem emprego consistente, com uns poucos amigos que ao me procurar desAguam rios de angústia, mágoas e sonoridades tão-e-sempre-maior-que-as-dores-alheias...E desbocadamente sorriu comentando entre-dentes, mas ora vejam, não li tudo o que gostaria de ter lido, não escrevi sequer uma obra digna de ser publicada postumamente, no entanto, reafirmo (c-o-n-s-c-i-e-n-t-e-m-e-n-t-e) tenho que partir...
Mas havia sua companheira, ah, aquela mulher que de tanto lembrar dela esquecia de si, aquela que quando bem perto a fazia existir de um jeito incrível e ingenuamente completo...Havia sua filha, forte e dada a rompantes, como esses que as adolescentes trazem no peito, arroubos para uma dor soturna que fica a nos rondar, os que passam por ela incólumes, são os capazes, seguramente capazes de matar a mãe e comer o presidente...Essas duas figuras ela não queria magoar, essas duas figuras era queria poupar de todas as dores do mundo...E haviam os outros tantos, aqueles que a amavam sem julgamentos, a todos eles citaria em cartas, deixadas embaixo da caixa vermelha, mesmo que a vida toda temesse as mulheres de vermelho...Mas a pergunta que rondava sua cabeça para além das promessas era tão pueril...Como continuar quando tudo me chama para outro lugar?
Anne Damásio

terça-feira, 29 de setembro de 2009

DIRIA ADEUS?

Lud
...Em frente aquela máquina – distâncias encurtadas por um mundo virtual que me anulava constantemente – recebia sua partida, sem sequer haver chegado, como um súbito e paradoxalmente aguardado soco na boca do estômago. Olhava para o que me restava de você, traços momentaneamente retidos, no lugar de passagem em que o aeroporto havia se constituído. Me doía inumana e agressivamente te imaginar com ela...Aisla! Me odiava por não saber lidar com sua falta – dessa feita legitimada, pelo maldito termo (namorando?) que desprendendo-se, brincava em frente aos meus olhos marejados. Gosto de sal na boca!
Olhava para as paredes brancas a minha frente, como se a procura de Deus, ou qualquer coisa que curasse essa ausência de ti em mim. Não o via, nem fadas, ou silfos, apesar dos milhões de incensos acesos, sequer salamamandras brincando perigosas nas chamas que projetavam formas, quem saberá se as suas? Daquele dia em diante, nunca mais as vi, nada restou além desse vórtice em que me enredava, além desse gosto seco na boca e da vertigem em me saber definitivamente ausente da vida que quis minha.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Sabe. Descobri que o segredo era cartografar todos aqueles dias ímpares que vivemos – não, não me refiro a ímpares no que eles poderiam ter tido de espetaculares, me refiro ao mais óbvio que pode haver - como se num lapso, eu-entidade não identificável conseguisse me ver de dentro de onde estava agora...então resolvo meticulosa e deliberada descrever o que em mim se fez, dor, buraco imundo, refugo de todo o lixo que fomos nós.Continuo a dizer-te-de-ti-e-de-mim. O segredo é cartografar nossa solidão indevassável/compartilhada, como guardador de livros antigos que passei a ser quando me vi nestas paredes caiadas de branco. E fazer dessa obra que pretendo única, porque nunca fui dada às letras – elas que me assaltavam os olhos prendendo-os firme em alguma história da qual não conseguia me desprender – uma cartografia de nós, uma cartografia universal de todos os amores eternos. Mesmo que toda a estirpe dos sócio-alguma-coisa teimem em apontar as tais si-gu-la-ri-da-des(...)
Fotografia: eugeny Kozhevnikov

Do não vivido...


Havia sim um barulho, mas não era algo encerrado no cartaz que apontava a existência do espaço. Seguimos todos, unidos pela mesma indignação, para além de supostas identidades deterioradas que não nomeavam mais. E ao atravessar o pátio me deparei com olhos escuros, pintados com um preto que não disfarçavam a adesão aos extremos de viver a deriva. Uma menina, mãe, bruxa, mulher, quase Calixto na recusa do que não a completava, mas cria de Hécate, e só por isso minha...por segundos, com aquela tensão que caracteriza o que não podemos deter...

Soube de ti pelo que não podia ficar, nos passos rápidos ao largo da mulher fálica, nas risadas estrepitosas, no que desvendou das minhas supostas certezas erigidas em elocubrações legitimadas...nas explicações acerca dos arquétipos que tangenciavam minha existência, nas características que apontavas ciente de que me traduzia a cada mirada. Soube de mim na doçura com que me olhavas, na surpresa com que nos identificávamos, no desejo contido e no que de impalpável restou da noite, me assombrava a vontade de ficar ao teu lado conversando infinitamente e chocando a humanidade diante do que não podíamos conter pela leveza que caracterizava dois corpos iguais de mãos enlaçadas...Sorri quando me dissestes da cagada mágica, do feitiço adulterado, pedindo pelo que eu pediria...uma filha de hécate cercada das qualidades que mutuamente admirávamos...

Fogueira das vaidades






O que resta da minha suposta e tão cobrada alegria? Porque as alusões frequentes a necessidade de me fazer envolta em títulos e arroubos, numa visibilidade precariamente recém adquirida?


Antes de mim - essa de hoje - esses momentos hedonisticamente vividos, estancavam ao menor sinal de ebulição, como se viver só fosse permitido apenas aqueles a quem a vida, deus, ou o destino concedeu o ter muito antes do ser de fato...


Hoje a vejo soterrada, atrelada apenas a ilusão de me ser, causada por um a mais de vida, como em natasha a felicidade reside em gotas coloridas de remédios que me deêm alegria, porque os humanos ao meu lado, envoltos que estão na procura alucinada por títulos, produções e delírios egóicos, esquecem-se de si, abduzidos na procura insana pelo intangível.


De todas aqueles sonhos restou essa sensação gélida, esse inverno na alma!


Fotografia: Gaena