segunda-feira, 19 de abril de 2010

A mulher que me traduz...


Faça-me o favor de desistir de mim!
Mas desista depressa que eu não sou de brincadeiras de gostar. E cansei-me dessa superficialidade que tu achas que eu sou. Porque não sou. Sou muito além, muito mais.
Faça-me o favor de construir teus muros bem altos que é pro meu aríete não conseguir derrubá-los. Fique aí na tua fortaleza e
não me deixe entrar. Deixa-me de fora do teu mundo. Faça-me esse favor. Mude seu rumo, mire outros alvos, que o meu coração é alvo difícil. E atingi-lo é um risco desnecessário.
Tire as tuas mãos macias da minha pele imaginária. Não me toque mais com tuas poesias genéricas e indecifráveis.
Continue na superfície das coisas. Continue com tuas palavras fugidias. Continue assim, longe e mistério. Fuga e descaso.
Perca o interesse por tudo o que é meu.
Poema, corpo e música. Palavra, tempestade e silêncio. Boca, presença e voz. Porque no fundo eu sei: nada disso é relevante pra ti e pra você eu sou... ninguém.
Faça-me o favor de deixar minhas ilusões quietas, de deixar minhas fantasias em paz.
Não sou de jogos. Não tenho estrutura pra isso. Sou do agora, sou do ousado e do aflito.
Não brinque com o meu fogo porque ele queima muito mais a mim do que a ti, que nunca se aproxima demasiado. Então não me queime.
Peço-te.
Faça-me o favor de não testar a minha paciência. Sou das verdades. Preciso de profundidade, preciso de entrega, preciso de dedicação e clareza. Não de mentiras, punhais e arranhões! Desses já tenho a coleção completa.
Pois faça-me o favor de trancar as tuas janelas e portas, de colocar mais obstáculos no caminho, de danificar o pedestal, de quebrar os espelhos e fechar as cortinas desse palco em que atuas. Eu prefiro os bastidores, o camarim onde mora a verdadeira intenção, onde a carne é nua e exposta, onde eu existo e sou única e onde posso conhecer as coisas em sua cruel realidade. E posso ser quem sou. Essa lágrima insistente borrando a maquiagem. Porque ama. Porque dói. Porque é ferível e se corta com facilidade porque vive sempre à flor da pele.
Faça-me o favor de não se aproximar das minhas tempestades se não estiver preparado para molhar-se inteiro. Faça-me o favor de esquecer a fúria da minha paixão.
Faça-me o favor de continuar espaçado e esporádico, assim fica mais fácil abandonar-te do meu corpo e da minha mente. Apareça sempre como quem já vai embora. Como de praxe. Faça-me o favor de sempre sumir por algum tempo, porque assim fica fácil te esquecer. Ou suma de uma vez e me liberte. Faça-me o favor de soar as badaladas libertadoras da meia-noite. Aquelas que vão fazer cada coisa voltar pro seu devido lugar. Aquelas que vão despertar meus ouvidos e meus olhos para o real. Sair do imaginário, desacatar a ilusão que eu criei.
Faça-me o favor! Esqueça de me transformar em musa. Eu não sou. Não de verdade... E você não precisa de mais uma musa. Já as têm de sobra! Pra quê mais uma? Não sou peça de coleção.
Faça-me o favor de desistir de mim! Faça-me o favor de não subestimar minha inteligência, de não me considerar igual a todas as outras a quem teu afeto afeta. Porque sou dos inteiros. Metades não me satisfazem. Faça-me o favor de saber disso!
Faça-me o favor de pegar o caminho ao lado, aquele que passa afastado do meu amor, do meu coração. Meu coração merece exclusividade e transparência. E mesmo eu o querendo tanto tanto ao meu lado, comigo, mesmo assim latejando esse desejo insano, preciso ser tua única estrada. Ou pegar um atalho e me desviar de uma vez de ti. Fazer outro caminho.
Faça-me o favor de retirar tua imagem do meu pensamento.
Não quero ser dominada por uma idéia irreal do que tu és.
Eu nem sei quem tu és.
Eu não sei aprender-te. Não sei apreender-te. Não conheço a cor dos teus olhos, porque nunca te vi ou ouvi e o que você me dá é pouco. Migalhas que eu gostaria de dispensar de vez, não fosse tão fome a minha fome e tão sede a minha sede!
Faço-me de cega, invento palavras e sentimentos, enfatizo meu masoquismo e
corro em direção ao nada. Um abismo escuro sem ecos, sem fim. Uma armadilha repetida. E eu não quero mais!
Faça-me um favor... Afete outras. Eu não gosto de afetos rasos.
Faça-me o favor de continuar inatingível. Assim impossível e ilusório. Um devaneio inconsequente que um dia esquecerá de me torturar. Esquecerá de mim no tempo breve se um suspiro.

Esqueça-me.
Não me veja. Feche os olhos.
"Que o teu afeto me afetou é fato, agora faça-me o favor....." *
Faça-me o favor de desistir de mim!


Por Van Luchiari ©

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